A principal motivação para essa série de dois posts, que obviamente termina hoje, é compartilhar alguns motivos para criar um blog em 2025. Na semana passada, apresentei meu ponto de vista sobre algumas mudanças que aconteceram na internet e hoje pretendo chegar em respostas para a pergunta do título.
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Quando Audous Huxley publicou Admirável Mundo Novo, em 1932, alguns capítulos importantes da história da computação já tinham acontecido, como a descrição do sistema de numeração binário por Pingada, a invenção dos conceitos de subrotina, loop e salto condicional por Ada Lovelace, a criação da máquina de cartões perfurados por Herman Hollerith e a fundação da IBM.
Contudo, apesar desses avanços, a obra de Huxley não idealiza o desenvolvimento computacional como um mecanismo de controle das sociedades. Nas primeiras décadas do século XX, a crença geral era que isso, o controle das sociedades, se conquistava através da força e que a destruição da civilização como era conhecida só poderia acontecer por meio de grandes guerras ou epidemias. Huxley rema contra esse senso comum contando uma história em que as pessoas são rigidamente condicionadas por engenharia genética, psicologia comportamental ainda no berçário e acesso a um calmante poderoso, garantindo a safisfação de todos com a forte estratificação da sociedade.

A história da computação é repleta de episódios interessantes. Por exemplo, no livro IBM e o Holocausto (2001), conta-se que os Aliados se surpreenderam com a organização e a velocidade das atrocidades cometidas nos campos de concentração. O equipamento que apoiou computacionalmente o regime, tornando isso possível, foi a máquina de cartões perfurados - via TecMundo.
O visual futurista da capa de um audiobook de Admirável Mundo Novo lançado em 1956, narrado pelo próprio Huxley - via Isso Compensa. É uma representação bem alinhada com a realidade descrita no livro. Quase 100 anos depois, porque faltam apenas 7 anos para o centenário de Admirável Mundo Novo, a civilização ocidental está, por um lado, bem distante dessa distopia porque a engenharia genética e a psicologia comportamental felizmente seguiram outros caminhos. Por outro lado, diferentes grupos sociais estão divididos em círculos quase intransponíveis de interesses e atividades, dificultando a sensibilidade de alguns grupos aos sofrimentos e motivações de outros.
Não serei leviano a ponto de afirmar que isso é exclusivamente provocado pelas redes sociais, mas seria igualmente leviano ignorar que (i) as redes sociais concentram, hoje, cerca de 63% da população mundial e estou falando de 5 bilhões de pessoas, (ii) os algoritmos das redes sociais decidem o que cada usuário vai ver e ler, e que (iii) esses mesmos algoritmos criam um ciclo de retroalimentação onde o usuário só recebe aquilo que consome, gerando as chamadas bolhas de informação ou bolhas digitais. Esse tema tem implicações políticas, econômicas e sociais muito sérias e complexas, e a transparência sobre o funcionamento e as intenções dessas corporações é muito menor do que o impacto que geram nas sociedades.
É nesse contexto que o blog, fundamentalmente um instrumento de publicação de textos, mostra um caminho para escapar dessa influência, acessando e difundindo conteúdo de forma orgânica. Qualquer pessoa com capacidade e entusiasmo para escrever poderia usufruir do prazer de ter um blog, pelos seguintes motivos:
- O autor fica livre de formatos e temas impostos pelos algoritmos para que as publicações tenham alcance.
- O autor não está sujeito a banimentos ou exclusões de postagens.
- A organização e o acesso ao histórico são muito mais fáceis, sem depender de caóticos sistemas de busca. O blog pode se transformar em uma espécie de acervo da vida e dos interesses do autor.
- A personalização da aparência de um blog pode ser tão detalhada quanto se queira, tornando o espaço tão pessoal quanto um quarto. É uma experiência bem diferente da análoga em uma página de rede social, onde os únicos elementos personalizáveis são a foto de perfil, o texto da biografia e, quando existe, a capa.
- Ser visitado em um blog tem um sabor muito especial, já que não depende de aparecer em uma timeline e sim de um acesso voluntário do leitor. No geral, as pessoas gostam de ler e falar sobre os textos das pessoas que gostam. É isso que entendo como difusão orgânica de conteúdo.
- De um ponto de vista mais amplo, a retomada dos blogs poderia, a médio e longo prazo, transformar a internet em um lugar menos previsível, com maior diversidade de conteúdo e menos apego a engajamento.

Foto clássica dos livros de geografia para ilustrar a desigualdade social (Tuca Vieira, 2004), anterior à popularização das redes sociais. As bolhas de informação geram, nos campos ideológico e cognitivo, divisões bem parecidas com essa - via BBC. Para que esse final não se pareça com um daqueles panfletos em que crianças abraçam leões, é importante afirmar que a derrubada do domínio das redes sociais por meio dos blogs é uma utopia. Lembro de um vídeo em que um guitarrista responde ao questionamento comum de que "a música brasileira piorou" com uma informação bem simples: as pessoas não estudam mais teoria musical, não tocam mais instrumentos, e isso transforma coletivamente a maneira como faz e se escuta música. Quando eu encontrar esse vídeo de novo, incluo no post, mas de certa forma, esse cenário é parecido com o discutido aqui, porque a produção e o consumo de conteúdo em redes sociais algoritmizadas já estão enraizados no cotidiano das pessoas, influenciando como essa problemática é enxergada. Na verdade, assim como na música, para muitos nem há uma problemática.
Na semana passada, uma querida amiga da área da Comunicação me contou que a expansão dos vídeos na internet brasileira é explicada pela nossa cultura, que é oral. Um fato interessante é que quando finalmente a população brasileira teve acesso à alfabetização, o rádio chegou no país e os programas de rádio, sobretudo as radionovelas, ocuparam o espaço de entretenimento que poderia ser da literatura. É uma realidade diferente de países colonizadores como a Inglaterra, onde uma base forte de leitores foi construída porque as pessoas leram muito durante os tempos em que outros meios de comunicação ainda não tinham sido inventados.
É importante pontuar que a criação de conteúdo nas redes sociais é, muito além de uma expressão de si mesmo, uma indústria que emprega, dissemina informação e produz muita coisa boa. Também não defendo que exista uma hierarquia de meios de comunicação, com texto acima do vídeo ou vice-versa. A única coisa que vislumbro é uma alternativa.
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